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quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Primeira Observação

    

     E então ela se foi, deu o sinal para o motorista do ônibus e procurou em vão um assento. Não demorou muito para encontrar um lugar onde pudesse se espremer em meio a multidão cansada e fatigada, carregando sobre os ombros o fardo cotidiano incumbido a cada um daqueles indivíduos. A menina buscava em cada rosto algo familiar, qualquer coisa que a fizesse sentir-se bem em meio a estranhos. Estranhos? De onde eles estariam retornando ou para onde iriam?
    Eram cachos que misturavam-se com fios multicoloridos emaranhando-se com as tranças da senhora. Para ela, não havia restado dúvida alguma: não importava a natureza das pessoas, nem de onde elas teriam vindo, a questão era o destino escolhido por cada uma delas e como chegariam até ele. Nesse dia, em específico, o veículo era um ônibus, a linha 1.54 rótula que percorria diariamente as mesmas ruas, nos mesmos horários. O local de partida nunca fora alterado, bem como o lugar destinado como ponto final, No entanto, durante todos os dias, alguns rostos toranaram-se comuns e cada novo passageiro que adentrava pela porta lhe despertava um desejo incontido de conhecê-lo e compartilhar vivências.
     Cada cidadão era responsável pelo seu ponto de parada, apertava um botão e o som característico soava pelo corredor lotado de pernas e braços. Alguns deles, ela tornou a ver várias vezes, outros, passaram, despertaram o desejo da menina e cruelmente se foram, sem dar chance a algum possível relacionamento cultivado em migalhas de minutos.
     Ela acreditava que independentemente da primeira impressão que as expressões contidas em cada rosto que passava lhe transmitisse, cada ser humano encontrado por detrás de um olhar, de um sorriso, de um silêncio, de uma angústia conservada no íntimo, seria de alguma maneira interessante ou no mínimo curioso. Cada corpo espremido entre bolsas, bancos e calorias, carregava consigo um pouco de dor, virtude, sabedoria e uma grande vontade de viver. Não importavam as circunstâncias que ela estava submetida, o que de fato lhe tornava incomparável em meio a estranhos era a ânsia por descoberta, conhecimento, vontade de compartilhar, poder de escutar bem como de silenciar quando necessário.
      Em cada viagem realizada naquele ônibus ela pôde conhecer e presenciar fatos que jamais, outro ser poderá realizar da mesma forma singular com a qual ela se vestiu. Cada momento foi único, cada pessoa que passou por ela foi ímpar. Talvez o que falte na maioria das pessoas seja a sensibilidade de ouvir e de maneira inconformada receber o fardo de quem viveu, não se deve descobrir e se calar, muito menos manter-se inerte perante qualquer fato que provavelmente causaria impacto e indignação.
     Foi então que a menina descobriu que a célebre frase : "Normal, acontece com todo mundo, logo passa" é a maior hipocrisia da vida. Não, não acontece com todo mundo, cada pessoa participante da ação sente unicamente, chora uma gota de cada vez, sorri milésimos de segundo, sendo cada um deles único e que não retorna. Até mesmo porque, por enquanto ainda não foi possível sugar uma lágrima de volta para os nossos olhos...

Ludimila do Nascimento Bassan

Um comentário:

  1. Gostei muito desse seu texto.Me fez lembrar uma letra de música do The Cranberries "Nós vivemos em nossas cercanias seguras
    E as pessoas morrem lá fora".
    E as pessoas ficam presas em suas cercanias,com medo,com preguiça,ou até mesmo por falta de vontade de conhecer alguém,alguém quase em comum,que partilha o mesmo momento. rs

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"Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las".
(Voltaire)